José Siebra de Oliveira
(sem data)
Não posso sentar-me naquela
nuvenzinha que, sem companheiras, vejo ficar no centro do céu. Além disto,
faltam-me máquina e filme sobrenaturais.
Impossível
é pois a convergência da luz em seus Três Tempos, antes, agora, depois, tanto
da que procede do espírito como da que tem princípio na matéria.
Absurdo
seria então querer kodaquizar, num milagroso instantâneo, o meu Crato, não só
em sua topografia, nas linhas geométricas de suas construções e de seus
acidentes, na expressão artística e histórica das obras que cristalizam a
inteligência, a vontade e a energia do povo, mas no seu todo, no seu passado,
no seu presente e no seu futuro, no estado e efervescência de suas almas, no
sentir e no agir dos homens, nas relações de necessária dependência entre o que
foi, o que é e o que será, pois só na eterna imobilidade do Primeiro Motor,
Deus, é uno e atual o passado, o presente e o futuro do ser em todas as suas
realizações.
Subirei,
entretanto, em espírito e, sem ver o passado e não enxergando o futuro, de lá
ditarei, para que o meu braço grave no papel, nas pinceladas que se fizerem
possíveis, apenas os maiores relevos da matéria e do espírito que, atualmente
existentes, vendo, do alto, um olho e telepatizando um cérebro, pudessem se
estampar na tela límpida de uma consciência.
É uma
tarde de segunda-feira, bonita e agradável.
Uma
gaze safírica, tecida de camadas atmosféricas e fios de luz solar, vela o
abismo dos espaços e a face das estrelas, caindo, em círculo, nas chapadas das
serras que contornam o vale.
No
fundo glauco e soberbo, à música harmônica dos rios, do vento, das aves, dos
animais, das folhas secas, da enxada, da foice e do machado do camponês, do
estrondear dos comboios e das boiadas nos caminhos poeirentos, do choro dos
carros de boi, da bigorna do ferreiro, dos gritos estridentes do flandre às
marteladas do flandreiro, das buzinas dos caminhões e dos automóveis, do gemido
das fábricas, do serrote do carpinteiro, dos ais angustiados da colher do
pedreiro que corta o tijolo, do bate-boca do metro na loja de fazendas e do
litro e da balança na bodega e na feira, do martelo do sapateiro, da voz
plangente dos sinos, do ruído da máquina da costureira, do tear da tecedeira,
da pedra da lavadeira, do ferro da engomadeira, do prelo na tipografia, da
pena do jornalista que dança no papel, do folhear dos livros do professor e do
aluno, do tinido surdo dos terços nas igrejas e nos lares, com o dinamismo da
instrução e ao calor da fé e do patriotismo, de mãos dadas nas estradas às suas
irmãs, Juazeiro e Barbalha, ruída a muralha do orgulho que as separava, Crato,
vanguardeira do Cariri, princesa vetusta, baila no jardim matizado de seus
campos floridos e de coloridos feéricos, a ciranda da evolução.
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