sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Fragmento sem Título sobre o Crato



José Siebra de Oliveira
(sem data)

          Não posso sentar-me naquela nuvenzinha que, sem companheiras, vejo ficar no centro do céu. Além disto, faltam-me máquina e filme sobrenaturais.  
            Impossível é pois a convergência da luz em seus Três Tempos, antes, agora, depois, tanto da que procede do espírito como da que tem princípio na matéria.
            Absurdo seria então querer kodaquizar, num milagroso instantâneo, o meu Crato, não só em sua topografia, nas linhas geométricas de suas construções e de seus acidentes, na expressão artística e histórica das obras que cristalizam a inteligência, a vontade e a energia do povo, mas no seu todo, no seu passado, no seu presente e no seu futuro, no estado e efervescência de suas almas, no sentir e no agir dos homens, nas relações de necessária dependência entre o que foi, o que é e o que será, pois só na eterna imobilidade do Primeiro Motor, Deus, é uno e atual o passado, o presente e o futuro do ser em todas as suas realizações.
            Subirei, entretanto, em espírito e, sem ver o passado e não enxergando o futuro, de lá ditarei, para que o meu braço grave no papel, nas pinceladas que se fizerem possíveis, apenas os maiores relevos da matéria e do espírito que, atualmente existentes, vendo, do alto, um olho e telepatizando um cérebro, pudessem se estampar na tela límpida de uma consciência.
            É uma tarde de segunda-feira, bonita e agradável.
            Uma gaze safírica, tecida de camadas atmosféricas e fios de luz solar, vela o abismo dos espaços e a face das estrelas, caindo, em círculo, nas chapadas das serras que contornam o vale.
            No fundo glauco e soberbo, à música harmônica dos rios, do vento, das aves, dos animais, das folhas secas, da enxada, da foice e do machado do camponês, do estrondear dos comboios e das boiadas nos caminhos poeirentos, do choro dos carros de boi, da bigorna do ferreiro, dos gritos estridentes do flandre às marteladas do flandreiro, das buzinas dos caminhões e dos automóveis, do gemido das fábricas, do serrote do carpinteiro, dos ais angustiados da colher do pedreiro que corta o tijolo, do bate-boca do metro na loja de fazendas e do litro e da balança na bodega e na feira, do martelo do sapateiro, da voz plangente dos sinos, do ruído da máquina da costureira, do tear da tecedeira, da pedra da lavadeira, do ferro da engomadeira, do prelo na tipografia, da pena do jornalista que dança no papel, do folhear dos livros do professor e do aluno, do tinido surdo dos terços nas igrejas e nos lares, com o dinamismo da instrução e ao calor da fé e do patriotismo, de mãos dadas nas estradas às suas irmãs, Juazeiro e Barbalha, ruída a muralha do orgulho que as separava, Crato, vanguardeira do Cariri, princesa vetusta, baila no jardim matizado de seus campos floridos e de coloridos feéricos, a ciranda da evolução.

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