quarta-feira, 20 de maio de 2015

O Homem que Não Salvou o Brasil







José Siebra de Oliveira, novembro de 1964 (publicado no periódico da AABB do Crato, ano IX, número 21, Crato –CE)

Era uma destas manhãs, em que se gosta, mais do que nas outras, de viver... clara... alegre... festiva... manhã de setembro de 1920.
Os céus, as árvores, os pássaros, o povo, uniam-se todos na exaltação do "dia da independência".

Muita gente na praça da Sé...
Estudantes, jovens e crianças, vibravam. Cada coração era um tambor e reboavam no espírito de todos, as clarinadas do glorioso exército.

Sentiam-se n'alma e enxergavam-se na bandeira nacional, que se hasteava, aquele Brasil selvagem de florestas e rios indevassáveis, o Brasil dos índios, de Cabral, de Anchieta, aquele Brasil de Felipe Camarão e Henrique Dias, o Brasil de Tamandaré e Caxias, de Patrocínio e Castro Alves, o Brasil de Tiradentes, dos bandeirantes, dos garimpeiros, o Brasil Caboclo, forte e invencível, o Brasil molambudo e faminto do nordeste, o Brasil brasileiro.

 Era o Brasil que, no pavilhão sagrado, desfraldado e drapejado ao vento, subia lentamente aos acordes do hino nacional e ao estrondar dos foguetes, na haste fixa à parede do edifício da Prefeitura Municipal.   

Em todo o território nacional, os brasileiros erguiam, naquele momento, os olhos e os corações para o querido pendão da esperança.

É sempre magnífico o 7 de setembro e aquele o era mais que todos os outros.

Naquele instante, em Crato, nascia mais um brasileiro. Toda a natureza o saudava porque ele era incomum.

Em uma das mais belas casas da cidade, assistida por renomada obstetra, dona Marieta, mulher conhecida e comentada na sociedade de Crato, Juazeiro e Barbalha, dava à luz um bonito e rosado menino. Chamou-o Moacir. Cresceu, revelando-se, dia a dia, em saúde, bondade, poder e sabedoria.

Suas qualidades eram de alguém, até então, inexistente.

Encheu o lar. Dominou a mãe, que se extasiava em contemplá-lo, os irmãos, os domésticos. Cativou, sobretudo, o pai, que se sentia super-homem em ter dado ao mundo alguém invulgar, tão útil à cidade, ao Ceará, a todos brasileiros.

Encheu a cidade... Seus colegas, seus amigos, o povo, pobres e ricos, curvavam-se superados e seguiam-nos admirados.

Era magnética a sua presença. Atraía... Absorvia... Empolgava... 

As moças perseguiam-no... mas somente uma, a sua eleita, fascinava-o.

Moacir tornou-se cidadão.

Seus cursos foram a expressão de um gênio. Ele os fez, como cometa, ligeiros e brilhantes.

Havia-se doutorado em ciências políticas, sociais e econômicas.

Por exigência dos estudante, dos operários e do povo, candidatou-se a deputado estadual. Foi eleito e cumpriu o seu destino, correspondendo aos anseios de todos, sacrificando seus interesses particulares pelo bem comum, envolvendo-se em ardorosos debates, até mesmo contra elementos do seu partido, em defesa da justiça e da honestidade.

Sua fama difundiu-se e sua presença fez-se exigida na Câmara Federal.

As massas aclamavam-no.

A prepotência camuflada, mas comprovada dos grupos econômicos e a força dos partidos da esquerda sem Deus, não o abatiam nem o convenciam. Ele olhava sempre para o centro onde fica o povo, este pobre povo sofredor. Era o povo que ele amava e defendia. 
Pobre com relação aos ricos do sul, de convicção espiritualista inabalável, nacionalista no verdadeiro sentido da palavra, sem qualquer prejuízo do conceito de fraternidade universal, democrata sincero, defensor das tradições cristãs do Brasil, apóstolo do amor aos seus semelhantes, um dia, por estrondosa manifestação da vontade do povo, foi eleito Presidente da República. 
A Praça dos TRÊS PODERES estava repleta de gente procedente de todos os quadrantes do Brasil e do estrangeiro no dia de sua posse.
Vieram os atos... nomeações de ministros... mensagens ao congresso... decretos... e tudo foi modificando-se no Brasil... Os sistemas de impostos... de fiscalização... de remessas de lucros para o exterior...
Realizaram-se as reformas de base... agrária... bancária... etc...
Nacionalizaram-se as empresas de água e energia... petróleo... transportes...
Multiplicaram-se os colégios e faculdades, fixando-lhes normas especiais. 
Novas estradas rasgaram o Brasil em todas as direções.
Possantes navios encheram os mares e poderosas aeronaves os espaços.
O gigante, que dormia em berço esplêndido, ergueu-se para a luta e para o progresso, dentro da mais perfeita ordem. Todos os brasileiros conheceram a paz e a ventura. 
Não obstante o seu valor, Moacir continuou simples, relativamente pobre, amigo de todos.
Com a reforma da constituição foi-lhe possível sua reeleição por três vezes consecutivas.
Alegrava-o ver o seu querido Brasil subindo no conceito das nações, revigorando-se, destacando-se com sua personalidade própria, provando ao mundo que é possível construir uma pátria grande, poderosa e feliz, sem o socialismo ateu ou o capitalismo materialista absorvente, uma pátria independente de trustes e de nações estrangeiras, uma pátria célula viva no conjunto dos povos. 
A cratense, sua companheira, que foi a primeira dama do Brasil, tornou-se, por sua generosidade, o ídolo das multidões.

Que absurdo!... dirá o leitor... O HOMEM QUE NÃO SALVOU O BRASIl!... Aqui a razão do título...
Era o dia 28 de dezembro de 1919.
Para o nascimento de Moacir teriam de ser decorridos 253 dias.
Houve, então, uma transformação que aquela vida não pode compreender naquele mundo de trevas. O seu destino havia sido modificado. Com ele o de milhões de brasileiros... Fora o golpe de estado mais cruel...
Desintegraram-se os elementos do seu organismo e o seu espírito, desprendido, voou para as regiões transcendentais.
Sua mãe, perversa e criminosa, assassinara o próprio filho, o quinto fruto das suas entranhas, cancelando a trajetória que iria salvar o Brasil, prejudicando também a vida daquela que seria esposa do Presidente da República. 
Não foi, entretanto, o caso de Moacir o primeiro nem o último.
Quantos astros... quantas estrelas humanas apagam-se antes de atingirem a linha leste do horizonte, desintegradas pela explosão atômica, realizada por aqueles mesmos que lhes deram a existência!...

Não desanimemos todavia. Talvez o Brasil ainda seja a primeira entre as nações do mundo. Que Deus não tenha consentido que os salvadores do Brasil tenham nascido mortos!

Crato (Ce), novembro de 1964

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