José Siebra de Oliveira, março de 1959 (publicado no
periódico da AABB do Crato)
Depois de complicado e longo processo burocrático,
volta às nossas mãos o registrador de
consciência.
Pousamos no mais importante
aeroporto do planalto central, vencemos, de táxi, os quinze quilômetros que
dele nos separam, e aqui estamos, no vigésimo andar do EDIFÍCIO IPIRANGA.
Há mais de uma hora, o renomado
clínico atende a um cliente, o último dos oito receitados, quatro pela manhã,
quatro à tarde.
São cinco horas e cinquenta
minutos...
Abre-se a porta do consultório e
recebemos ordem de ingresso.
Vê-se, sobre a secretária, volumoso
livro em que são anotados sintomas, doenças, antecedentes, remédios indicados e
dados biográficos dos pacientes.
Cada receita custa quinhentos cruzeiros...
O nosso aparelho já funciona...
Fazemos as saudações protocolares e, depois de nos
termos dado a conhecer reciprocamente, atiramos a primeira pedra...
– V. S. é muito procurado nesta capital.
– B)[1]
Não sei qual o motivo. Muitos colegas me superam.
– C)[2]
Trabalho honestamente. Não me esqueço dos livros. Fiz ótimo curso. Desprezava
as brincadeiras prejudiciais. Consegui sempre boas notas. Jamais me servi de
pistolões, presentes a professores e outros processos degradantes que, longe de
me fazerem um médico, me transformariam num grande impostor.
– V. S. sempre quis ser médico?
– B) Desde criança... desejava concorrer para a
felicidade do povo.
– C) Sempre desejei servir aos semelhantes, sobretudo
aos humildes. Para isto tenho dois dias, na semana, de receitas gratuitas.
– V. S. demora bastante com cada cliente?
– B) Amo o trabalho honesto.
– C) Considero furto receber dinheiro sem analisar o
estado do paciente. A observação deve ser completa. Muitas vezes, enfraquece
uma parte do organismo, consequência de distúrbios em outros setores. Quando se
evidencia um órgão doente de que não se acusa o paciente, não sendo da minha
especialidade e competência, aconselho-o a procurar o médico indicado. De
qualquer forma, faço exame geral. Somente assim posso realizar a missão que
abracei.
– V. S. conhece incapazes na classe?
– B) Nunca observo a vida dos colegas. Penso, entretanto,
que o governo devia ser mais rigoroso na seleção daqueles a cujas mãos vão ser
confiadas muitas vidas.
– C) Conheço diversos, Brasil afora, que fazem do
consultório uma bodega. Surge um cliente atacado de gestão pulmonar... Eles,
sem uso de aparelhos, indicam remédios para dores intestinais. Outros até
prolongam a doença, quando descobrem que o paciente é rico. Incompetentes
outros, pelo curso que fizeram, pelos métodos vergonhosos que empregam, pela
ignorância em questão de diagnósticos, tornam-se verdadeiros criminosos. E o
que é pior... ninguém pode provar nem combater.
– Que julga V.S. dos que provocam o aborto?
– B) Sobre este ponto, em particular ou de público,
qualquer que seja o processo de aniquilamento da vida, sempre estarei em luta
contra os que assim agem. Considero o direito
de nascer muito sagrado. Aqueles que assim procedem são tão criminosos como
os pistoleiros dos sertões. A sua licença devia ser cassada, sem possibilidades
de retorno à profissão. Para mim, é o caso objeto de Tribunal do Júri.
Infelizmente o mundo ainda não compreender isto e não quer considerar como
homem aquele que ainda não viu a luz.
– C) (Idênticas impressões observam-se no registrador).
– Muito obrigado, doutor. Que Deus dê ao Brasil muitos
médicos da sua qualidade. Antes de ser um grande médico, V. S. é um grande
homem.
O que ainda nos conforta é que são poucos os médicos
de baixo quilate. Sempre têm eles o coração largo e cheio de amor e bondade,
trabalhando com honestidade e abnegação, para que vivam os brasileiros.
NOTA: Qualquer semelhança com pessoas ou fatos terá
sido uma inevitável coincidência.