José Siebra de Oliveira, janeiro de 1959 (publicado no periódico da AABB do Crato)
Baixemos no escalvado daquele pequeno morro.
Os belos caminhos estreitos,
carroçáveis apenas, apresentam-se cheios de poços de um lamacento vermelho,
sinal de que a noite foi chuvosa na região.
Os
marmeleiros molhados exalam uma agradável fragrância de inverno.
As
águas barrentas das chuvas, mansas e volumosas, serpenteiam na pequena
planície, para logo desaparecerem em gargantas tortuosas de terreno bastante
acidentado.
Visitemos
esta cidade. Cidade simples e bela, em meio de vetusto coqueiral.
–
Garoto, por obséquio, onde é a delegacia?
–
Ali na praça, mas o delegado está metido em casas de maribondos... Mataram,
esta noite, o chefe político do N.P.T., e os filhos da candinha dizem que os
bandidos falaram com ele, antes do crime.
–
Foram presos?
–
Nem rasto, senhores!... Estes cabras, no assunto, são mais seguros que Pelé na
bola. Escolheram noite d'água. Chuva apaga tudo e mata sede, sem incomodar
ninguém. O partido contrário está agindo, mas de baixo, aqui e na capital. Os
senhores compreendem. Nesta região, estes bandidos só não têm a nomeação de
funcionários públicos... mas sempre trabalham para os que estão em cima. Quando
a situação mudar, mudarão também os personagens do drama.
–
Garoto, outro obséquio: aqui há jogo?
–
Senhores, apontem-me uma cidade do Brasil onde não haja jogo, e eu serei capaz
de dar um prêmio ao governo. A lei proíbe, mas o delegado é o maior
desrespeitador da lei neste sentido. Aqui, o peito é dele, na capital, do Chefe
de Polícia. Não sabem os senhores que delegacia e chefatura são das coisas mais
disputadas no Brasil, entre os políticos que conquistam o poder?
–
É, moço... infelizmente, é verdade... quem mais desrespeita as leis são os
responsáveis pela sua execução. O nosso delegado até faz justiça. Prende
criminosos de todos os partidos e castiga ladrões e embriagados. Mas nestes
crimes de alta classe, como se diz, o povo fica batendo a língua.
–
É, garoto, mas há muitos delegados bons. Vamos, mostre-nos a casa dele.
–
É ali.
Dois
soldados passeiam, na calçada, com fuzis na mão, e outros dois estão sentados
no interior da sala.
Tudo
confirma a veracidade dos acontecimentos narrados pelo pequeno.
–
Bom dia, moços!
–
Quem são os senhores?
–
Repórteres.
–
Este instrumento aí... os senhores tenham a bondade de me entregar. Aqui, por
ora, não é permitido o uso de instrumentos desconhecidos. Procurem na Chefatura
de Polícia do Estado. E cuidado!... repórteres nesta região devem calar o bico.
Quem
nos dirige estas palavras? Ignoramos. Não está fardado. É algum elemento de
prestígio.
–
Com quem desejavam os senhores falar?
–
Com o delegado, mas não é necessário chamá-lo.
–
É... ele não pode receber visitas hoje. Desculpem e depois procurem, na
capital, o seu objeto. Vieram a cavalo?
–
Sim... ficaram numa roça, à pequena distância.
Apressemo-nos, antes que prendam, também, o nosso avião. O ruim é que nem umas fotografias podemos conseguir.
Apressemo-nos, antes que prendam, também, o nosso avião. O ruim é que nem umas fotografias podemos conseguir.
E
agora, voando nos céus livres do Brasil, podemos afirmar quanto é escravo e
ignorante este povo simples do interior. Que Deus o proteja, e o salvem os
homens de boa vontade.
NOTA:
– Qualquer semelhança com pessoas ou fatos terá sido uma inevitável
coincidência.